Managers têm maior impacto na saúde mental do que terapeutas.
Como liderar para o bem-estar?
ECO - Parceiro CNN Portugal , Joana Nabais Ferreira
26 fev, 12:00
Para quase 70% das pessoas, o seu líder é uma das figuras que mais afeta a sua saúde mental. Exatamente o mesmo peso que tem o seu companheiro
Não é o seu médico ou terapeuta que tem o maior impacto na sua saúde mental. Para quase 70% das pessoas, o seu líder é uma das figuras que mais afeta o seu bem-estar emocional. Exatamente o mesmo peso que tem o parceiro ou parceira. Os dados agora revelados no recente estudo “Mental Health at Work: Managers and Money”, realizado pelo The Workforce Institute, na UKG, aumentam — ainda mais — a pressão nos ombros dos gestores. Se é líder, saber que afeta desta maneira tão significativa o bem-estar dos colaboradores é o pretexto certo para avaliar a sua liderança e garantir que está a fazer tudo o que pode para ter impacto positivo na vida das suas pessoas. Estarão os managers portugueses cientes do seu impacto no bem-estar das suas equipas? Entre os especialistas em RH ouvidos pelo ECO Pessoas não há consenso nesta matéria. Mas uma coisa é certa: a saúde mental começa a aparecer entre as prioridades das empresas.
“O papel que um manager assume numa equipa é de extrema importância, e pode gerar um impacto quer positivo, quer negativo na saúde mental das pessoas. Para beneficiar a saúde mental, é preciso fomentar um ambiente colaborativo, em que se definem objetivos e expectativas claros, se fornece feedback e feedforward, e se tem uma atenção especial a modelos de trabalho que permitam um maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional. Igualmente importante é o papel que um manager pode desempenhar no fortalecimento da autoestima das pessoas”, começa por dizer Teresa Fernandes, national senior manager da Multipessoal.
Para 69% das pessoas inquiridas pelas UKG, os seus managers afetam a sua saúde mental, mais do que os seus médicos (51%) ou o seu terapeuta (41%). No entanto, olhando para ecossistema, a responsável da Multipessoal acredita que “nem todos os managers estão conscientes da importância que têm no bem-estar e saúde mental dos colaboradores“. “Muitas vezes, acabam por se focar mais nos resultados de negócio, deixando esta componente para segundo plano e não se dedicando tanto à criação de um ambiente de trabalho saudável e acolhedor”, considera.
A national senior manager da Multipessoal diz que é preciso trabalhar no sentido de sensibilizar estes perfis para o tema e de oferecer-lhes ferramentas e metodologias para apoiarem efetivamente a saúde mental dos seus colaboradores. “É essencial que este seja não só um foco dos managers, mas das próprias empresas, integrando esta componente na própria estratégia”, explica.
Acredito que nem todos os managers estão conscientes da importância que têm no bem-estar e saúde mental dos colaboradores. Muitas vezes, acabam por se focar mais nos resultados de negócio, deixando esta componente para segundo plano e não se dedicando tanto à criação de um ambiente de trabalho saudável e acolhedor", Teresa Fernandes
National senior manager da Multipessoal.
Já o CEO da Get the Job, Ricardo Prazeres, considera que os managers têm cada vez maior preocupação com as temáticas relacionadas com a saúde mental dos seus colaboradores. Isto “devido ao propósito do seu trabalho não ser apenas gerir o cumprimento de objetivos e resultados, mas principalmente promover e cuidar o bem-estar dos seus colaboradores e ter a possibilidade de contribuir de forma positiva para o estabelecimento de uma cultura organizacional positiva”, defende o gestor.
E dá alguns exemplos: “Foram criados, nos últimos anos, programas de formação e incentivo a políticas de desenvolvimento e sensibilização para a importância do bem-estar das pessoas para o melhor desenvolvimento das suas potencialidades em prol dos objetivos individuais e coletivos.”
Uma opinião partilhada por Diogo Fabiana, um dos três fundadores da Plus Health, uma plataforma de consultas de psicologia online. “Temos visto mais empresas a disponibilizar sessões de terapia e a procurar incluir benefícios e subscrições para atividades lúdico e físicas, ou simplesmente mais conscientes sobre a importância de respeitar o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional”, conta.
Contudo, ambos concordam com Teresa Fernandes sobre a necessidade de apostar na formação das lideranças. “É necessário existir uma aposta em mais formação relativa a esta temática e que exista o incentivo para a contribuição das lideranças para o bem-estar nas organizações”, refere Ricardo Prazeres. “Será, aliás, um dos pontos de diferenciação nos próximos anos para a atração e retenção dos talentos nas organizações.”
‘Mental health matters’
Mas, para além das razões humanas para prestar atenção à saúde mental das pessoas, os próprios negócios também beneficiam desse tipo de liderança cuidadora, atenta, empática e voltada para o bem-estar. Quando os profissionais estão sãos, a nível mental e emocional, 63% admite que está também mais empenhado e 80% diz ter mais energia para desempenhar as suas funções no trabalho.
Mas a realidade é outra: quase metade (43%) dos profissionais inquiridos afirmam estar exaustos e 78% afirmam que o stress tem um impacto negativo no seu desempenho no trabalho. E outras esferas acabam por ser afetadas. Cerca de 70% dizem que o stress impacta também, negativamente, a sua vida familiar, 65% admitem que diminui o seu bem-estar e 62% referem que degrada as suas relações.
“É fundamental compreender que o bem-estar de uma empresa depende do bem-estar dos seus colaboradores”, afirma Teresa Fernandes. E o bem-estar dos colaboradores, por sua vez, depende (muito) dos líderes, managers e gestores.
Como liderar para o bem-estar?
Para a national senior manager da Multipessoal, existem três comportamentos cruciais para que os líderes consigam ter impacto positivo no bem-estar das suas pessoas, começando desde logo por promover a comunicação aberta e efetiva. “Os líderes devem estabelecer uma cultura de comunicação aberta e efetiva para que os seus colaboradores se sintam à vontade para expressar as suas preocupações, sugestões e ideias. Ao quebrarem a barreira que existe entre cargos na empresa, a relação formada com os colaboradores ajuda assim a reduzir o stress e a ansiedade, bem como a construir confiança e respeito mútuo. Para por isso em prática, os managers podem incentivar a comunicação efetiva através de reuniões regulares, sessões de feedback e feedforward e disponibilidade para conversas individuais com os seus colaboradores”, sugere.
Algo que Ricardo Prazeres chama de “cultura de franqueza”. “Os líderes devem indicar, de forma clara, os aspetos que devem ser melhorados ou trabalhados de uma forma diferente, apontando caminhos positivos e soluções para esses objetivos que têm planeados na organização ou departamento que lideram”, completa.
Os líderes devem indicar, de forma clara, os aspetos que devem ser melhorados ou trabalhados de uma forma diferente, apontando caminhos positivos e soluções para esses objetivos que têm planeados na organização ou departamento que lideram", CEO da Get the Job, Ricardo Prazeres.
A segunda dica de Teresa Fernandes é fornecer apoio e recursos adequados para o exercício das suas funções. “Os managers devem fornecer aos colaboradores os recursos e apoio necessários para que possam realizar as suas funções de forma eficaz e eficiente. Isto inclui providenciar formação, equipamentos adequados, acesso a informações e as ferramentas necessárias para o trabalho”, detalha. E acrescenta: “Devem também atentos às necessidades emocionais e psicológicas dos colaboradores, e oferecer recursos, como coaching, quando necessário. No seu todo, os managers têm de fazer com que os colaboradores sejam e se sintam ouvidos.”
Por último, a especialista em RH considera fundamental reconhecer e recompensar o bom trabalho. Ações capazes de aumentar a motivação e a satisfação, bem como melhorar a saúde mental e o bem-estar das pessoas. “Isto pode ser feito através de elogios, prémios ou incentivos, dependendo do contexto e da política da empresa. Os managers também podem proporcionar oportunidades de desenvolvimento profissional e crescimento na carreira para motivar os colaboradores a continuarem a desenvolver e aprimorar as suas capacidades”, enumera.
Uma dica partilhada pelo CEO da Get the Job, que defende o feedback como crucial para uma boa liderança. “[Os líderes] devem ter a capacidade e preocupação em transmitir feedback de acordo com as competências e potencial de cada pessoa que lideram, tendo por isso a capacidade de contribuir para a evolução e conscientização dentro da organização.”
Às recomendações de Teresa Fernandes, Ricardo Prazeres acrescenta outra, que começa logo no momento da atração de talento. “Os líderes devem ter um conhecimento geral do negócio e departamento que lideram no presente e no futuro, para que o alinhamento em termos de atração de talento seja alinhado com o perfil que pretendem, e reduzam ao máximo, o tema de incompatibilidade com a liderança que, como sabemos, normalmente, é um dos fatores mais apontados para a saída das organizações pelas pessoas”, sustenta.
Já Diogo Fabiana, da Plus Health, diz ser fundamental definir e respeitar os limites entre a vida pessoal e profissional dos profissionais. “É difícil que os dois eixos não se cruzem e que não interfiram entre si, contudo, se partir do manager ou mesmo da própria empresa não optar por comportamentos que impactem (negativamente) o ‘espaço e tempo pessoal’ é, por si, um contributo positivo para o bem-estar e equilíbrio.”
Além disso, o cofundador da empresa que se prepara para chegar ao segmento no B2B no segundo trimestre do ano, precisamente para incentivar os líderes a incluir a saúde mental na base da construção das suas equipas, defende que sejam trazidas para a dinâmica da organização variáveis que contribuam continuamente para o equilíbrio e bem-estar, sejam atividades extra, eventos, tempo focado nas pessoas e não apenas no trabalho…
“É vital que as pessoas se sintam bem no local de trabalho e no trabalho. Existem de cada vez mais empresas a apostar na disponibilização de sessões de terapia (psicologia), de forma que as pessoas consigam não só se tornar melhores no seu trabalho, mas também como indivíduos”, exemplifica.
O estudo The Workforce Institute, na UKG, teve por base entrevistas feitas a 3.400 pessoas, num total de dez países. Consulte o documento na íntegra aqui.